Como se prevenir do Alzheimer? Bote o cérebro para trabalhar

 
Por Kátia Arima
Fonte: Estadão

Pode soar estranho pensar que uma criança que frequenta a escola está se prevenindo do Alzheimer, doença que provoca a deterioração das funções cerebrais. Mas estudar e fazer trabalhar o cérebro por muitos anos – de preferência por toda a vida – ajuda a evitar demências, ou seja, desordens cerebrais que afetam a memória, pensamento, comportamento e emoções.


“A prevenção das demências não deve começar na velhice, mas desde a infância. Temos de mudar a nossa forma de pensar a saúde do cérebro”, diz a professora e pesquisadora Mônica Sanchez Yassuda, que coordena o curso de Gerontologia da Universidade de São Paulo (Each/USP).

Ela afirma que está ao alcance da maioria das pessoas ter hábitos que reduzam o risco de ter Alzheimer e outras demências, embora alguns casos tenham fatores genéticos envolvidos. No ano passado, um grupo de pesquisadores divulgou um estudo na prestigiada revista médica The Lancet com uma lista de fatores de risco que, se modificados, têm o potencial de diminuir em 40% as demências. Estão nessa lista o consumo excessivo de álcool, o tabagismo, traumatismo craniano, perda auditiva e exposição à poluição do ar.


Cerca de 1 milhão de brasileiros sofrem de demência atualmente, sendo que a maioria deles tem Alzheimer, concluiu uma pesquisa divulgada em abril, realizada pela Universidade Federal de Pelotas (UFPel), pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e pela Universidade de Queensland, da Austrália. A estimativa é que esse número se quadruplique em 30 anos.

A doença de Alzheimer pode trazer perda de memória, dificuldade de falar e de realizar tarefas básicas, entre outros sintomas. Ainda não tem cura, nem causas bem conhecidas, e seus tratamentos são de pouca efetividade – por isso, desperta temores. O maior fator de risco para a doença de Alzheimer é a idade, segundo a Alzheimer’s Disease International, associação mundial de entidades dedicadas ao tema. Apesar disso, a demência não é parte normal do envelhecimento.

Origem genética ou não

Quando o Alzheimer acontece antes dos 65 anos, geralmente tem origem genética, explica o neurologista Fabricio Ferreira de Oliveira, professor afiliado do Departamento de Neurologia e Neurocirurgia da Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (EPM/Unifesp). “Nesses casos, não é possível evitar a doença, mas dá para prevenir sua manifestação com hábitos de vida que protejam o cérebro”, afirma.

Nos casos de “Alzheimer de início tardio”, que ocorrem geralmente após os 65 anos, há diversos fatores que podem causar a doença, o que significa que há maior chance de prevenção.

Preocupada em não ter a mesma doença que acometeu a sua mãe, a vendedora Eliane Monezi, de 62 anos, resolveu voltar à escola para fazer “ginástica para o cérebro”. Uma vez por semana, passa duas horas na unidade Moema do Supera, em São Paulo, que oferece um curso que promete melhorar concentração, raciocínio, memória, criatividade e autoestima. “Faço atividades com o ábaco, participo de jogos que me levam a interagir com outras pessoas e a trabalhar a concentração”, conta. Há mais de 20 meses dedicada ao curso, ela percebe resultados. “Se vou fazer o café, não disperso com outra coisa. Presto mais atenção nas coisas”, diz.

Dicas para prevenção

Estimular o raciocínio é apenas uma das possibilidades de prevenção do Alzheimer e outras demências. Veja a seguir as principais recomendações na prevenção da doença neurodegenerativa apontados pelos especialistas consultados pelo Estadão:

Estude sempre

Quanto mais você estuda, menor será a sua chance de ter uma demência no futuro, explica a psiquiatra Claudia Suemoto, do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (IPq-HCFM/USP). Por isso, ela defende a importância de oferecer educação de qualidade também como base para uma melhor saúde pública. “Poucos anos de escolaridade já proporcionam uma proteção. Ter uma ‘reserva cognitiva’, que é como uma “poupança do estudo”, é muito importante”, diz.

Cuide da sua audição

A perda auditiva ao longo da vida pode ser um fator de risco para o desenvolvimento de demências, afirma a psiquiatra Claudia. “Se você não escuta bem, recebe menos inputs, que são estímulos para o cérebro”, diz. Por isso, ela recomenda cuidados com a saúde auditiva, como o uso de proteção no caso de exposição a ruídos contínuos e altos decibéis. Ao notar redução da audição, é indicado fazer um check-up e, se necessário, usar um aparelho auditivo para escutar bem.

Abandone vícios como álcool, cigarro e drogas

Bebidas alcoólicas, tabagismo e consumo de drogas podem causar Alzheimer, assim como agravar os sintomas de quem já tem a doença, afirma o neurologista Oliveira, da Unifesp. “O ideal, para quem já diagnosticou a doença, é não consumir álcool e cigarro”, diz.

Proteja a cabeça

Traumatismos cranianos podem ser causadores de demências, enfrentadas por muitos lutadores de boxe ou jogadores de futebol americano - ou pessoas que sofreram acidentes de carro, por exemplo. Portanto, proteja a cabeça de impactos e use capacete quando for andar de skate, patins ou bicicleta.

Pratique exercícios físicos

Mexer o corpo ao longo de toda a vida é recomendação para evitar o Alzheimer e outras demências. O neurologista Fabricio de Oliveira recomenda atividades mais aeróbicas, que ajudam a levar para o cérebro oxigênio e nutrientes, como natação, ciclismo, corrida e caminhada. A psiquiatra Claudia, do Hospital das Clínicas, reforça a recomendação das atividades aeróbicas, mas acrescenta que os exercícios que demandam resistência muscular com movimentos feitos com carga, pesos e elásticos, também são importantes para evitar demências.

Cuide da saúde cardiovascular

A pressão alta ou hipertensão arterial, ao longo da vida, é danosa para a saúde, inclusive a do cérebro, orientam os especialistas. No relatório de 2020 do periódico médico The Lancet, que divulgou os fatores de riscos para a demência, o medicamento para hipertensão é considerado o único preventivo conhecido para a demência.

Quem já tem Alzheimer, porém, deve manter a pressão um pouco mais alta, esclarece Oliveira, neurologista da Unifesp. “O idoso e o paciente com Alzheimer não deve manter a pressão baixa. Deve ficar em torno de 14 por 9, pois a pressão baixa pode levar à queda na circulação sanguínea do cérebro”, diz. Também é preciso ficar atento a outros parâmetros como o colesterol, o triglicérides e a glicemia - além de evitar a obesidade. Segundo Oliveira, as pessoas que estão obesas na meia idade correm risco maior de desenvolver Alzheimer mais tarde.

Fuja da poluição e do fumo passivo


Quem vive nos grandes centros urbanos terá dificuldade de reduzir esse fator de risco, mas a poluição do ar pode ser um causador de demências, especialmente para os idosos. A fumaça do cigarro também é nociva à saúde do cérebro, mesmo que de forma indireta.

Alimente-se bem

As recomendações que valem para a saúde como um todo se repetem aqui. Ter uma dieta natural e balanceada, que evite gorduras e açúcares em excesso, é válida para melhorar a saúde de qualquer pessoa. Pesquisadores da Universidade de Rush, nos Estados Unidos, desenvolveram a dieta Mind que ajuda na “resiliência cognitiva”, com benefícios inclusive para quem já está com Alzheimer. Ela inclui vegetais de folhas escuras, oleaginosas, azeite, grãos integrais, peixes ricos em ômega 3 e aves; deixa de fora carnes vermelhas, manteiga, doces e alimentos ultraprocessados (como salsicha e bolachas recheadas).

Tenha um hobby e mantenha uma vida social ativa

Mesmo que você não queira frequentar escolas ou cursos, busque desafios intelectuais do seu agrado, recomenda a pesquisadora Mônica, coordenadora do curso de Gerontologia da USP. “Vale aquilo que você gosta: trabalhar com artesanato, manter uma atividade na comunidade, pintar. É superimportante estar ativo mentalmente, aprendendo coisas novas”, diz.

Ter uma vida social ativa, em contato com amigos e familiares, favorece a saúde do cérebro, afirma Oliveira, da Unifesp. “Há pesquisas que mostram que quem tem um propósito de vida, que se preocupa com os outros e tem pessoas que dependem dela têm menos chance de desenvolver Alzheimer”, diz.
Best-seller refutado pela comunidade médica

O neurologista Dale E. Bredesen conseguiu levar o livro A cura do Alzheimer para a lista dos mais vendidos do jornal The New York Times em 2017. Ele propõe um protocolo de tratamento chamado Recode, que incluiu suplementos médicos e mudanças de hábitos de vida, com potencial de reverter a doença. Neste ano, um novo livro do médico chegou ao mercado brasileiro, com dicas práticas para estimular a cognição e reverter o seu declínio.

A comunidade médica, porém, não reconhece o valor do trabalho de Bredesen. Em maio de 2020, Joanna Hellmuth, do Centro de Memória e Envelhecimento da Universidade de Califórnia - São Francisco (UCSF), nos Estados Unidos, publicou um editorial na revista científica The Lancet Neurology. No texto, afirma que os três artigos, publicados por Bredesen e citados como evidências de que o protocolo é eficaz, apresentam grandes falhas - embora reconheça que haja elementos do protocolo que possam ser benéficos para pacientes com a doença, como a prática de exercício físico aeróbico, a dieta do Mediterrâneo e o engajamento social.

O pesquisador Olivieira, da Unifesp, diz que não conhece o autor e o livro, mas pode afirmar que não ainda existe tratamento que reverta a doença. “O tratamento pode até desascelerar a evolução do Alzheimer, por um período, mas infelizmente não será possível voltar ao que era antes.”

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